Mulheres vivem mais do que os homens, é fato. A expectativa de vida delas é maior (80,5 anos ante 73,6 para eles) e estudos apontam uma taxa de mortalidade feminina no Brasil menor do que a masculina.
No ano 2000, as taxas brutas de mortalidade no país foram de 5 por mil habitantes para o sexo masculino e 2,2 para o sexo feminino. Em 2010, os números caíram 4,6 e 2,1, respectivamente.
Levantamento recente do Ministério da Saúde aponta que 74,5% dos homens morreram por causas evitáveis em 2012, ante 69,5% de mulheres.
Ao longo dos anos, as principais causas de óbito se repetem:
- Doenças dos aparelhos circulatório, digestivo e respiratório;
- Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas;
- Doenças infecciosas e parasitárias;
- Doenças do sistema nervoso;
- Transtornos mentais;
- Tumores.
Um dos motivos para a maior longevidade das mulheres é o autocuidado. Médicos e pesquisadores ouvidos por VivaBem falam da maior preocupação delas com a saúde: levam mais a sério os sintomas, fazem exames periódicos e buscam atendimento.
Dados do Programa Longevidade D’Or na unidade Itaim do Hospital São Luiz, em São Paulo, mostram que, do total de idosos inscritos, 66% são do sexo feminino. A faixa etária com mais pacientes matriculados é entre 70 e 79 anos, sendo 88,6% mulheres.
Longeva, mas com riscos elevados
Embora as mulheres morram menos, a prevalência de algumas doenças como depressão, Alzheimer e osteoporose é maior entre elas. As razões vão de questões biológicas a estilo de vida.
Biologicamente, o estrogênio é um importante hormônio sexual feminino com efeito protetor para a saúde. Quando ele diminui no organismo com o avanço da idade, deixa as mulheres mais vulneráveis.
Mas a natureza não é a única culpada. Sobrecarga de tarefas, cansaço físico e mental, desigualdades no mercado de trabalho e violências são alguns fatores que tornam o ambiente mais perigoso para a saúde da mulher.
É um fenômeno complexo que envolve discussões estruturais.
O gênero, no geral, define o poder que homens e mulheres vão ter sobre os determinantes socioeconômicos da sua saúde mental e das suas vidas. Luciana Barrancos, gerente executiva do Instituto Cactus.
A seguir, entenda o que ocorre para a maior prevalência de algumas doenças em mulheres.
Transtornos mentais
No mundo, a depressão é quase duas vezes mais prevalente em mulheres do que em homens. Elas estão mais sujeitas a alterações hormonais —durante a puberdade, antes e durante a menstruação, na gravidez, pré-menopausa e menopausa—, que podem ser um gatilho para a doença.
O médico Sérgio Rocha, especialista em psiquiatria e fundador da Clínica Revitalis, explica que o estrogênio facilita a atuação de neurotransmissores ligados ao humor e ao bem-estar, como a serotonina.
A redução do hormônio, principalmente após os 40 anos, tem impacto. “Ciclicamente e naturalmente, gera exposição à possibilidade de deprimir, ficar ansiosa, insone, sintomas que são comuns e não necessariamente é depressão”, diz.
Porém, a manutenção desses sintomas por muito tempo somada a fatores genéticos, sociais e ambientais pode deixar a mulher à beira de um transtorno mental.
Mas se uma menor quantidade de estrogênio é fator de risco, por que os homens, que não têm esse hormônio tanto quanto as mulheres, têm taxas menores de depressão?
Pesquisas mostram que, no cérebro masculino, a testosterona é convertida em estrogênio, que pode mediar ações protetoras. E como a testosterona não circula nos homens como o estrogênio nas mulheres, pode haver uma proteção mais consistente neles.
E como o debate do gênero na saúde mental atravessa questões estruturais da sociedade, a mulher está em desvantagem. “Uma a cada cinco mulheres apresentam transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão. Se a gente coloca fator externo, como alta sobrecarga, vai de uma a cada duas mulheres”, destaca Barrancos.
Os dados são de um levantamento do Instituto Cactus em parceria com o Instituto Veredas, lançado em 2021. O material também destaca a dupla opressão para mulheres negras, com preconceitos de gênero e raça afetando a saúde mental delas.
Entre as causas associadas à depressão em mulheres estão:
Violência física e sexual, relatada por quase 30% das meninas entre 15 e 19 anos.
Gravidez na adolescência, que muda a projeção de vida e saúde mental.
Abuso de álcool, que tem levado a mais mortes de mulheres do que de homens.
Baixa escolaridade, sendo que estudantes com depressão têm duas vezes mais chance de evadir a escola.
Transtornos alimentares, que afetam principalmente mulheres e pessoas jovens.
Doenças ósseas
Das diversas doenças ósseas, a osteoporose afeta mais as mulheres do que homens a partir dos 50 anos. Silenciosa e progressiva, ela ocorre pela natural perda de massa óssea com o passar dos anos. O quadro leva a ossos finos, ocos, frágeis e, consequentemente, suscetíveis a fraturas.
Segundo a Fundação Internacional de Osteoporose, a doença acomete aproximadamente 6,3% dos homens e 21,2% das mulheres em todo o mundo.
As fraturas também são reportadas mais por elas do que por eles.
Novamente, a diminuição do estrogênio na menopausa facilita a perda de massa óssea e enfraquece os ossos. “A deficiência estrogênica e, consequentemente a perda óssea, causam um quadro de osteopenia e, posteriormente, de osteoporose”, diz o ortopedista Pedro Tenório, gerente médico da farmacêutica EMS.
Segundo ele, o estrogênio em menor quantidade também pode comprometer as articulações, piorando os sintomas da artrose e da artrite reumatoide, por exemplo.
“Apesar da associação cada vez mais evidente entre este hormônio e a artrite reumatoide, ainda não se conhecem os mecanismos desta relação”, pontua. No caso da artrose, é mais provável afetar o joelho das mulheres do que dos homens.
A redução de danos envolve hábitos saudáveis por toda a vida e reposição hormonal com acompanhamento ósseo por meio do exame de densitometria óssea.
“O exame não é preventivo, precisa ter hipótese para justificar sua realização. Mas a mulher com histórico de osteoporose, jovem com menopausa precoce ou paciente que começou a ter queda de hormônios, seria interessante fazer avaliação”, diz Marcelo Mamede, especialista em medicina nuclear da Clínica Villela Pedras.
Doenças cardiovasculares
Mundialmente, as doenças do coração são mais prevalentes em homens. Na juventude, ambos os sexos têm um risco maior de morrer do que pessoas 50+ ao sofrer um evento cardíaco, como infarto.
Mas entre os mais novos, as mulheres são mais propensas a morrer após um ataque cardíaco do que eles, segundo a Federação Mundial do Coração.
A explicação está na própria anatomia do coração feminino:
Mulheres têm um coração menor: não é regra, mas como elas são, geralmente, menores do que os homens, o coração é proporcional.
As artérias do coração da mulher são mais finas: esses vasos sanguíneos responsáveis por nutrir o órgão têm um calibre menor e podem ser mais tortuosos do que os dos homens.
Essas características podem levar a uma capacidade menor de resistir a um evento cardiovascular. Estudos ainda falam de distúrbios relacionados à gravidez e questões socioeconômicas que se relacionam ao risco cardiovascular nelas.
O estrogênio também tem papel nisso. Ele ajuda no controle da pressão arterial, no fluxo sanguíneo e no batimento do coração, mas sua diminuição compromete as artérias e o músculo do coração.
Soma-se ainda a vida mais atribulada das mulheres, que tornam os eventos cardiovasculares mais frequentes. “Nos últimos 30 anos, a taxa de infarto do coração tem sido maior nas mulheres”, comenta o cirurgião cardiovascular Edmo Atique Gabriel, colunista de VivaBem.
Ele conta que tem operado mulheres jovens com mais frequência do que há dez anos. “Elas passaram a ter atividades profissionais e hábitos de vida que exigem muito estresse, muitas horas de desgaste e poucas horas de sono.”
O especialista defende o desenvolvimento de protocolos de saúde cardíaca para mulheres na menopausa e um esforço estrutural de conscientização.
Há um problema de saúde pública que é carência de campanhas de conscientização, principalmente ao público feminino. Focam sempre no câncer ginecológico e de mama, mas se esquecem de elementos anatômicos e fisiológicos que colocam a mulher em risco. Edmo Atique Gabriel, cardiologista e colunista de VivaBem
Sem informação suficiente, as mulheres, quando na menopausa, tendem a menosprezar os riscos cardiovasculares. “Elas falam dos calores, mas não do nível de colesterol, arritmia, como se isso fosse só consequência do envelhecimento”, alerta o médico.
Doenças autoimunes
A prevalência de doenças autoimunes vem crescendo com o tempo, o que indica que a genética não é a única e exclusiva causa dessas enfermidades.
“Certamente tem mudança ambiental, exposição, hábito de vida, consumo de produto industrializado que favorecem o aparecimento de doenças autoimunes”, afirma Filipe Sarinho, imunologista e alergologista do Real Hospital Português, no Recife.
Algumas enfermidades acometem mais homens, mas na prevalência geral, fala-se de duas a quatro mulheres para cada homem com doença autoimune. Lúpus, artrite reumatoide e tireoidite de Hashimoto, por exemplo, podem atingir até 70% de mulheres.
Por enquanto, as explicações ficam mais nas hipóteses e teorias do que nas comprovações científicas.
Uma delas sugere que o sistema imunológico da mulher é mais agressivo.
Quando não havia antibióticos e vacinas, a principal função desse sistema era proteger o corpo de infecções e bactérias. No caso da mulher, isso precisaria ser mais potente pelo fato de ela ser capaz de engravidar.
“Nos últimos 50 anos, com mudança de estilo de vida, higiene e uso de antibióticos, é como se o sistema imunológico tivesse perdido seu papel principal. E na falta de patógenos, ele atacaria o próprio corpo”, explica o médico.
Embora homens e mulheres tenham células de defesa iguais, elas seriam mais ávidas e entrariam em ação mais rapidamente no grupo feminino. Estudos corroboram essa hipótese, mas ela tem fragilidades.
Algumas doenças autoimunes têm prevalência na mulher mesmo após a idade fértil (quando não poderia engravidar), com 40, 50 anos. Filipe Sarinho, imunologista e alergologista
Outra hipótese tem a ver com o estrogênio – sempre ele.
O hormônio ativa as células de defesa do corpo, fazendo o sistema imunológico ficar mais alerta e atacar o organismo. Mas a ideia tropeça no fato de que uma reposição do hormônio não está associada ao aumento de doenças autoimunes.
As teorias ainda mencionam o papel do microbioma e do uso indiscriminado de antibióticos. Outro fator seria o cortisol: pessoas estressadas, com privação de sono e nutricional, têm nível mais elevado desse hormônio, o que propicia alterações no sistema imunológico.
“A principal questão das doenças autoimunes é que são multifatoriais. Não é um único gene, são vários; não é um único fator ambiental nem hormonal provavelmente”, reforça Sarinho, que fala do alto grau de complexidade para compreender essas enfermidades.
Doenças neurológicas
As explicações para a maior prevalência de uma ou outra doença neurológica em mulheres também são hipotéticas. Enquanto a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla afetam mais elas, a doença de Parkinson é mais vista neles. Aqui, vamos nos concentrar na primeira.
No Alzheimer, em que dois terços dos pacientes são do sexo feminino, a genética é responsável por 60% dos casos. Estudos mostram que algumas dessas mulheres têm uma mutação vinculada ao gene APOE4, ligado ao desenvolvimento da doença.
“Quando uma mulher tem essa mutação, ela tem um risco até 12 vezes maior do que os homens que têm a mutação”, diz a neurologista de Curitiba Karen Socher, integrante do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP.
A menopausa também poderia ter influência, segundo as teorias:
Socher vê na prática que já na pré-menopausa, as mulheres têm uma tendência maior ao esquecimento pela desregulação hormonal.
Acredita-se que na menopausa, as células de defesa do cérebro não agem de forma adequada contra as proteínas ligadas ao Alzheimer e geram neuroinflamação.
Estudos já sugeriram que reposição hormonal pode reduzir o risco de Alzheimer, mas nada conclusivo ainda. O tratamento também não teria efeito imediato, porque o acúmulo das proteínas ligadas à doença ocorre de dez a 15 anos antes dos sintomas.
Em termos socioambientais, a neurologista cita um estudo com primatas em que o estresse é gerado em situações pontuais nos machos, como para caçar e prover alimento. Já a fêmea está continuamente alerta quanto aos cuidados com a prole e o entorno, mantendo constantemente alto o nível de cortisol (o “hormônio do estresse”).
É um conjunto de coisas. A mulher tem estresse maior, escolaridade baixa, sofre violências, tem estudo mostrando que os hormônios influenciam na maturação cerebral e na rede de conexão de neurônios. Karen Socher, neurologista.
Mulheres sem escapatória?
Se você chegou até aqui, pode pensar que as mulheres estão condenadas pela natureza. Mais ou menos.
Apesar de não conseguir controlar plenamente as influências naturais e biológicas, é possível reduzir danos com cuidados que envolvem alimentação saudável e prática de exercícios físicos ao longo da vida.
Mas é importante lembrar das mulheres que não têm acesso ao básico, o que demanda reivindicar políticas públicas amplas de cuidado, como combate à violência, acesso à educação e inclusão laboral.